domingo, 5 de novembro de 2017

Brasil. Com corte de 92% para 2018, governo ameaça extinguir programa de cisterna premiado pela ONU.

Recurso para ano que vem representa 6% do valor destinado em 2010; cerca de 350 mil famílias demandam pelo programa para sobreviver no semiárido.
O corte de 85% no programa de Segurança Alimentar não atinge apenas o principal programa responsável por auxiliar pequenos agricultores e pessoas em situação de insegurança alimentar, como mostrou o De Olho nos Ruralistas. Também afetará drasticamente o programa de implantação de cisternas, dificultando a vida na região mais árida do país: o semiárido.
O Programa de Cisterna, premiado na COP 13 pela ONU como uma das mais efetivas políticas para áreas desertificadas no mundo, terá seu orçamento reduzido de R$ 248,8 milhões para R$ 20 milhões. Isso equivale a apenas 8% dos recursos destinado este ano. O valor representa um pouco mais de 6% dos recursos repassados para o programa em 2010.
De acordo com a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), organização que congrega 3 mil organizações e movimentos sociais dos nove estados no semiárido, o programa possibilitou o acesso à água potável para mais de 5 milhões de pessoas. E, por isso, foi laureado pelo prêmio considerado o “Oscar internacional para as melhores políticas”, concedido pelo World Future Council, em cooperação com a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação.
O semiárido concentra metade dos brasileiros em situação de miséria e, apesar de cerca de 350 mil famílias necessitarem de cisternas para sobreviver, a proposta do governo para 2018 é que este pequeno recurso seja destinado para todo o território nacional. Entretanto, essa verba é capaz de produzir apenas 5.453 cisternas para captação de água, incluindo água para consumo humano, produção de alimentos e criação de animais.
As famílias que necessitam de cisternas estão localizadas em zonas rurais, distantes dos municípios. Segundo os dados do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), apenas 27% da população rural de baixa renda possui acesso a uma rede publica de abastecimento de água.
Além disso, o Nordeste vive a pior seca dos últimos 100 anos e afeta 23 milhões de pessoas. De 2010 a 2014 a verba do Programa de Cisterna teve um crescimento contínuo, saltando de R$ 95 milhões para R$ 324,7 milhões. Desde 2015, porém, o fluxo foi inverso.

sábado, 4 de novembro de 2017

A guerra da Síria e o silencioso extermínio de Raqqa, a "My Lai síria."

O silenciado extermínio de Raqqa, o My Lai sírio. 27604.jpeg


A intervenção imperialista na Síria acumula crimes de guerra.
Ao mesmo tempo que fica cada vez mais evidente que não se trata de qualquer «combate ao terrorismo», mas sim de consolidar a utilização desse instrumento, que o próprio imperialismo criou, alimenta e protege. 
Prossegue a destruição do Estado sírio e a ocupação de parcelas do seu território.
Nazanín Amirian.
O mundo estremeceu em novembro de 1969 quando o jornalista Seymour Hersh revelou o massacre de My Lai (Vietnam): todos os seres vivos da aldeia tinham sido aniquilados depois de sofrerem vários dias de tortura e terror.
E agora ocultam ao mundo a dimensão da tragédia que causaram à gente de Raqqa, muito maior que My Lai: 25.000 pessoas foram atacadas com espadas, espingardas, bombas e misseis por dois grupos terroristas (Daesh e as Forças Democráticas Sírias (FDS)), dirigidas pelos EUA e seus aliados. Raqqa não foi libertada, apenas passou das mãos de um grupo terrorista para outro.
Entretanto, a imprensa ocidental, que acusava de "crimes de guerra" a Rússia pela sua intervenção militar em Aleppo, ficou muda ante aquilo a que a Anistia Internacional chamou "um labirinto mortal" e a ONU aponta a responsabilidade da coligação liderada por Washington por "uma assombrosa perda de vidas" de milhares de bebês, velhos, mulheres e homens cujos cadáveres putrefatos cobrem as ruas da cidade nortenha da Síria.
Na semana passada, durante a suposta libertação da cidade assediada de Raqqa - ocupada pelos jihadistas em 2014 -, o Pentágono (que não tem nenhum mandato legal para levar a cabo ataques aéreos na Síria), utilizou duas armas especialmente terroríficas. Por um lado, o fósforo branco, cujo uso é ilegal, que abrasa o corpo até ao osso e que quando se respira queima os pulmões. Por outro, os foguetes MGM-140B, que disparam cerca de 274 granadas antipessoais, capazes de exterminar qualquer ser vivo num raio de 15 metros. É assim que Trump faz a "América Maior"!
EUA, Israel e Arábia Saudita acolheram com grande satisfação a expansão do Daesh na Síria, por debilitar o governo baas de Assad em Damasco, uma vez que lhes oferece o que chamam algumas oportunidades estratégicas, sobretudo contra o Irã.
O secretário da Defesa estadunidense James Mattis, apodado "cão raivoso", anunciou já que o Pentágono estava adotando "táticas de extermínio" na sua campanha na Síria: "As baixas civis são uma realidade neste tipo de situações", disse. Milhares de civis sírios não são mais que "danos colaterais" dos seus infames interesses, tal como foram na Iugoslávia, Afeganistão, Iraque, Líbia, Iêmen, Sudão e Somália.
Durante os ataques, que duraram meses, os franco atiradores de ambos os bandos mataram inclusive as pessoas que se rendiam ou as que tentavam fugir pelo Eufrates, afundando-os com os seus barcos no rio. Mattis é o mesmo general que organizou o cerco à cidade iraquiana de Fallujah, em 2004, matando milhares de civis com balas, bombas, fome e sede.
Enquanto a coligação dirigida pelos EUA rodeava Raqqa a partir do norte, este e oeste, deixou que os jihadistas do Daesh se escapassem pelo sudeste para se refugiarem na província de Deir ez-Zour, e daí continuar lutando contra o Exército sírio. Washington volta a fazer de bombeiro pirómano: deixa que o Daesh ocupe territórios sírios, para depois se apresentar como força libertadora, apropria-se dos territórios que são o seu despojo de guerra, utilizando os curdos e os árabes como tropas terrestres suas. Em 2016, John Kerry comentou que com o avanço do Daesh, Assad se verá obrigado a negociar, conseguindo assim os objetivos político-militares que a OTAN não pode alcançar, na sua Guerra-negócio sem fim.
Por que Raqqa?
Os EUA apoderam-se de outra cidade da Síria, país onde, pela primeira vez na sua história, conseguiu bases militares, graças ao colaboracionismo curdo, que mesmo assim afirmam ser de esquerda.
Entre os motivos do Pentágono para ocupar esta cidade estão:
  1. Adiantar-se ao Exército sírio e aos seus aliados russo-iranianos para recuperar esta estratégica urbana.

  2. Anexar Raqqa aos seus territórios ocupados na Síria, e ali estabelecer uma presença militar permanente; começou já a instalar uma nova base militar em Tabqa. Por isso, os países da OTAN apressaram-se a anunciar que, apesar da derrota do Daesh, não abandonarão a Síria.

  3. Raqqa será a capital de fato das chamadas forças moderadas sírias, convertida em contrapeso do governo de Assad em Damasco. Situação que também criaram em países atacados como Líbia e Iraque, impondo dois governos paralelos.

  4. Este ataque, que coincide com a invasão de Idlib pela Turquia com dezenas de tanques, garante a desintegração real da Síria.

Entre os objetivos de Trump no Iraque e na Síria não está lutar contra o terrorismo, mas sim consolidar a hegemonia dos EUA sobre uma região com vastas reservas de petróleo no Oriente Médio e neutralizar dois principais obstáculos: Irã e Rússia, enquanto o objetivo final é conter o avanço do seu verdadeiro rival, a China.
A manipulação da informação sobre o que está se sucedendo no Oriente Médio impede a formação de uma oposição organizada nos países beligerantes e de um movimento contra as crescentes guerras em nível mundial.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Vinda de Judith Butler ao Brasil tem apoio de cientistas sociais.

Ao jornal Extra Classe, Butler disse que integrantes do MBL e Frota “”estão no meio de um pesadelo de sua própria criação” - (Reprodução/Youtube)
A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) divulgou nota em apoio à vinda da filósofa Judith Butler ao Brasil, bem como ao exercício de sua liberdade de expor seus argumentos, proposições e discussões que não acreditamos poder ser cerceadas. A visita da intelectual estadunidense, com participação confirmada no colóquio Os fins da democracia – estratégias populistas, ceticismo sobre a democracia e a busca por soberania popular sido criticada ferozmente pelo MBL e pelo ator de cinema pornográfico Alexandre Frota.
De acordo com o comunicado da entidade que congrega 111 programas de pós-graduação em Antropologia, Ciência Política, Ciências Sociais e Sociologia em todo o país, “uma mordaça sobre a fala de Butler é uma ameaça para todos e todas nós, cuja vida acadêmica e intelectual não pode prescindir desta liberdade”.
Ainda segundo a nota, “um trabalho intelectual cuja premissa é a liberdade de pensamento, a possibilidade de crítica, e a capacidade de colocar em debate questões relevantes para o conjunto da sociedade, no entanto, está ameaça por grupos que pretendem impedir a vinda de Butler ao Brasil, a realização do seminário e o livre diálogo de ideias.”
Em entrevista ao jornal Extra Classe, editado pelo sindicato dos professores da rede privada do Rio Grande do Sul (Sinpro RS), Butler afirmou que os integrantes do MBL e Frota “estão no meio de um pesadelo de sua própria criação“.
O evento é promovido pela Universidade da Califórnia em Berkeley e a USP. Está prevista a participação de professores de diversas outras universidades estrangeiras, como Humboldt Universität, Boğaziçi University, Université de Paris VII e de Universidade de Buenos Aires, entre outras.
Doutora em Filosofia pela Universidade de Yale, professora na Universidade da Califórnia em Berkeley, onde leciona no Departamento de Literatura Comparada e no Programa de Teoria Crítica, Judith Butler é autora de 15 livros, dos quais seis traduzidos no Brasil por diferentes editoras.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Brasil: Desigualdade entre homens e mulheres aumenta. País cai 11 posições em ranking.


Indústrias
De acordo com pesquisa, principal piora foi constatada no mercado de trabalho.
Lídia Neves – Repórter da Agência Brasil.

Depois de uma década de progresso lento, mas contínuo, em direção à igualdade de gênero, pela primeira vez o Fórum Econômico Mundial constatou aumento das disparidades entre homens e mulheres no planeta. A informação consta do Relatório de Desigualdade Global de Gênero 2017, divulgado hoje (2) pela organização. Por causa da queda da participação feminina na política, o Brasil caiu 11 posições em apenas um ano.

O estudo indica que 68% da desigualdade de gênero no planeta foi combatida, contra 68,3% em 2016 e 68,1% em 2015. Todos os quatro pilares do relatório apresentaram piora na comparação entre homens e mulheres: acesso à educação, saúde e sobrevivência, oportunidade econômica e empoderamento político. Até o ano passado, os dois últimos itens vinham apresentando evoluções.

Pelo cálculo atual, seriam necessários 100 anos para acabar com a desigualdade de gênero em todo o mundo. No ano passado, a previsão era 83 anos. A pior situação é a do mercado de trabalho, em que a organização estima que são necessários 217 anos para acabar com a desigualdade, mesmo com mais da metade dos 144 países pesquisados tendo melhorado no ítem nos últimos 12 meses.

“Estamos passando da era do capitalismo para a era do talentismo. A competitividade em níveis nacional e de negócios será decidida, mais do que nunca, pela capacidade de inovação de um país ou uma empresa. Quem entende a integração das mulheres como uma importante força dentro do seu grupo de talentos terá mais sucesso”, afirmou o presidente-executivo do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, segundo a nota da instituição.

O relatório indica que, se a lacuna de gênero na área econômica em todo o mundo fosse reduzida a 25% até 2025, haveria um acréscimo de US$ 5,3 trilhões ao Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e serviços produzidos) global.

Brasil cai 11 posições em um ano.

A pesquisa aponta queda de 11 posições do Brasil no ranking de países em comparação com o ano passado, ficando em 90º. Em relação à primeira edição da pesquisa, em 2006, a queda foi de 23 posições.

O retrocesso do Brasil o colocou em sua pior situação desde 2011. A baixa participação política das mulheres é o principal elemento que motivou a queda, apesar de modestos avanços do país no quesito de participação econômica.

Apesar da piora na classificação, o relatório destaca que o Brasil resolveu suas diferenças de gênero na área de educação.

O país mais bem colocado no índice geral foi a Islândia, que resolveu 88% da desigualdade de gênero e permanece no topo da lista há nove anos. Em seguida vêm Noruega, Finlândia, Ruanda e Suécia. O país mais bem classificado da América Latina é a Nicarágua, em sexto lugar, seguida pela Bolívia, em 17º.

“Em 2017, não deveríamos estar vendo um progresso em direção à paridade de gênero ser revertido. Igualdade de gênero é tanto moral quanto um imperativo econômico. Alguns países entenderam isso e estão vendo os dividendos das medidas proativas que tomaram para tratar suas disparidades de gênero”, informou a chefe de Educação, Gênero e Trabalho do Fórum Econômico Mundial, Saadia Zahidi, no comunicado da organização.

Caxias do Sul/RS. Caso de bailarino sedado é reflexo de sociedade que quer internar o diferente, diz psicóloga.

Bailarino Igor Cavalcante Medina em imagem de divulgação da Companhia Municipal de
Dança de Caxias | Foto: Divulgação.
Luís Eduardo Gomes.
O bailarino Igor Cavalcante Medina, 26 anos, apresentava uma performance ao ar livre na Praça João Pessoa, em Caxias do Sul (RS), quando foi abordado por cinco pessoas, entre membros da Guarda Municipal e socorristas do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), que consideraram que ele estava sofrendo um surto psicótico e o imobilizaram, sedaram e levaram para o hospital de Pronto Atendimento 24 Horas da cidade. Ali, ele permaneceu oito horas amarrado em uma maca, até que, no final do dia, recebeu a visita de uma psiquiatra, que lhe atendeu, assinou um laudo dizendo que estava lúcido e consciente e o liberou para ir para casa. 
O caso teve repercussão nacional nos últimos dias. Foi tratado como mais um episódio de repressão à arte, como tantos que vêm ocorrendo no Brasil recentemente. No entanto, a psicóloga Simone Paulon, professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destaca que há também nessa história uma forte herança manicomial, indicando que todo comportamento que foge ao normal deve ser reprimido e a loucura tratada com internação, se necessário, forçada.
A reportagem conversou com Igor por telefone na última terça-feira (31). Inicialmente, ele disse estar cansado do episódio e que não tinha muito mais a falar sobre o assunto. Mas, aos poucos, com tranquilidade e voz sempre calma, começou a contar sua versão da história.
Nascido no Rio de Janeiro, ele chegou a Caxias há cerca de um ano meio. Inicialmente, trabalhou como professor de dança de salão na cidade, até ingressar na Companhia Municipal de Dança, em março. No momento em que foi abordado, Igor apresentava o espetáculo solo intitulada “Fim.“, registrado como parte da 8ª edição do Festival Caxias em Movimento e que tinha autorização por escrito, da Prefeitura, para acontecer. “Estava iniciando a minha apresentação. Comecei a declamar um poema que escrevi e, a partir dessas falas, ia criando as minhas movimentações. Foi quando eu fui abordado e aconteceu tudo. Alegaram que eu estava em surto psicótico”, lembra.
Ele conta que o primeiro guarda que o abordou já segurou um de seus braços e que, longo em seguida, apareceram outros agentes e a equipe do Samu. Igor diz que sua primeira reação foi de esperar para entender o que estava acontecendo, continuar sua apresentação e só depois questionar porque estava sendo levado, tentando explicar que tinha autorização para se apresentar, mas que não foi ouvido. Conta ainda que foi sedado dentro da ambulância do Samu por um socorrista, mesmo tendo dito que não gostaria de ser sedado e tentado argumentar que isso não era necessário.
Após passar 8 horas amarrado numa maca, ele foi atendido pela psiquiatra do PA por volta das 19h30, que deu um laudo afirmando que Igor estava lúcido e em condições normais de consciência. “Acho que ela achou que encontraria uma pessoa no hospital totalmente desorientada, sem lucidez e, quando falou comigo, percebeu que não estava assim. Foi a única pessoa que acreditou em mim e viu que eu não tinha os sintomas. Ela até me pediu desculpas pela situação, se desculpou pela cidade, mas disse que não tinha o que fazer, que a única coisa que poderia fazer era me liberar”, diz o bailarino.
Ao jornal Pioneiro, de Caxias, o diretor da Guarda Municipal, Ivo Rauber, informou que os agentes foram acionados para verificar a situação de um homem que estava parado na praça, utilizando um arame farpado ao redor do pescoço. Rauber informou que a equipe tentou falar com o bailarino, que não respondeu, mas olhava para o céu, para cima e para baixo e “de repente, começou a soltar frases filosóficas, citava a Somália a todo o momento”. Os guardas teriam então entendido que se tratava de uma questão de saúde e acionado o Samu, que decidiu pela contenção com o uso de colete e o encaminhamento para o PA. No entanto, disse que a Guarda não utilizou a força na abordagem. Igor confirma que “vestia” um arame farpado, e afirma que ele estava posicionado no corpo de modo que não o machucasse durante a performance.
Um vídeo publicado em outra notícia do Pioneiro mostra Igor fazendo a sua apresentação enquanto é segurado por um agente pelo braço. Há então um corte e o momento seguinte mostra o bailarino tentando correr, sendo imobilizado e colocado numa maca por cinco pessoas. É possível, então, ouvi-lo dizendo, já em um tom diferente do que usava na apresentação, “por que vocês estão fazendo isso?” e “tira a mão de mim”.
Igor nega que suas falas fossem desconexas, diz que as considera muito lúcidas, na verdade, e que eram sobre a brutalidade do cotidiano e o massacre dos corpos humanos. A apresentação dele consta na programação oficial do 8º Caxias em Movimento, marcada para às 11h30 do dia 28, na Praça da Bandeira – mas ocorreu na Praça João Pessoa, segundo o Pioneiro. “O trabalho aborda a violência e põe o corpo em evidência para trazer à tona as diversas formas de brutalidade do cotidiano, sejam elas físicas ou psicológicas. Os corpos vão sendo envenenados até a total desumanização. Será que já não somos nada mais além de um mero pedaço de carne incapaz de sentir, incapaz de resistir, incapaz de se rebelar?”, diz a síntese que consta no programa do festival.
A reportagem tentou contato com diversos órgãos municipais de Caxias, mas o caso foi centralizado na comunicação social da Prefeitura, que informa apenas que, desde segunda (30), está sendo apurado e a Secretaria Municipal de Segurança Pública e Proteção Social (SMSPPS) está ouvindo relatos dos envolvidos para esclarecer o que ocorreu e dar os encaminhamentos necessários, para só então voltar a se pronunciar. A comunicação da Secretaria Municipal de Saúde não quis informar o nome da psiquiatra que atendeu Igor e tampouco mediar o contato dela com a reportagem, mas confirmou a versão contada por Igor do que ocorreu no hospital.
Ao contrário do que chegou a ser divulgado, o bailarino não deixou a cidade e nem pretende fazer isso. Ele acha Caxias ótima e diz ter sido muito bem recebido, que o povo é hospitaleiro e amigável, e que é a primeira vez que algum problema ocorre com ele. “Acho que a situação não é reflexo do que é a cidade em si. Acredito que foi só um caso. As pessoas são gentis”, afirma.
Ele ainda diz que já trabalhou como artista de rua em outras oportunidades, que gosta de levar arte para quem não tem condições de consumi-la em teatros e casas de espetáculo. Ao afim, acredita que foi a linguagem da apresentação que motivou a ação da Guarda. “Não que justifique”. Como o caso ainda é muito recente, aguarda para ver que tipo de medidas poderá tomar.
Pasteurização e silenciamento - Para a psicóloga Simone Paulon, que coordena grupo INTERVIRES – Pesquisa-Intervenção em Políticas Públicas, Saúde Mental e Cuidado em Rede, o caso de Igor é “emblemático de uma cultural manicomial” que ainda persiste no Brasil, agravado pelo fato de que o bailarino não é paciente de nenhuma doença mental, mas apenas fazia uma apresentação que fugia ao que é considerado “normal”. “Dá para perceber o quanto o cotidiano e a formação dos nossos agentes de Estado é dentro de uma lógica normatizadora. É como se o cotidiano das pessoas e a nossa formação, o nosso dia a dia, a vida cotidiana, fossem absolutamente pasteurizados, que as pessoas não tivessem nenhum tipo de alteração de alegria, de euforia, de irritação. É uma forma de olhar para a vida e para os sujeitos que parte do princípio de que as emoções estão sob controle”, avalia.
Simone faz questão de destacar que a atuação dos agentes municipais não pode ser criticada apenas individualmente, personalizada, mas que está dentro de um contexto maior de atuação do Estado. Dito isso, ela considera que há dois problemas graves na intervenção que ocorreu com Igor. O primeiro é o que chama de “patologização do cotidiano” e a necessidade de reprimir quem manifesta sua singularidade. “Ele estava agredindo alguém? Botando alguém em risco? Estava simplesmente chamando a atenção por um comportamento que era diferente. O Estado policialesco se dá ao direito de anestesiar uma pessoa por uma manifestação que não é a esperada. Isso mostra um desejo de que todo mundo seja pasteurizado”, afirma, acrescentando ainda que normatização dos corpos e mentes, coincidentemente um tema muito semelhante ao da apresentação de Igor, é considerada normal pela sociedade, o que pode ser verificado pelo fato de que ninguém tentou intervir na ação dos agentes da Guarda e do Samu.
O segundo problema que ela vê é o processo de silenciamento da pessoa. Simone destaca que, dentro da lógica manicomial, é comum que o diferente, o paciente de saúde mental, seja progressivamente silenciado e os agentes do Estado recusem-se a parar e escutar o que ele tem a dizer sobre a forma como é tratado. Mesmo que Igor estivesse em surto psicótico, o trabalho desenvolvido a partir da Reforma Antimanicomial aponta que o melhor tratamento seria o acolhimento do paciente, o que inclui uma abordagem humanizada, a escuta, e não a decisão imediata pela imobilização e medicação. O bailarino só seria escutado horas depois, já no PA, e em seguida liberado. Caso ele tivesse passado por um surto, mesmo isso jamais poderia ter ocorrido, mas sim ter sido encaminhado para a rede de atendimento psicossocial para ter continuidade no tratamento, diz a psicóloga.
“Doença mental, via de regra, é uma doença crônica. Os psicóticos, os esquizofrênicos, não vão se curar, mas isso não significa que o tratamento seja o isolamento e muito menos violência e tortura, que é o que eles sofrem dentro dos manicômios. Então, a abordagem na crise precisa respeitar o que a Lei Antimanicomial prevê, que é o modo de cuidado psicossocial, que implica acolhimento na situação de crise, ser recebido por um serviço especializado”, diz.
Rodrigo Santoro no filme Bicho de Sete Cabeças | Foto: Divulgação.
Bicho de Sete Cabeças - Para explicar o que é essa cultura manicomial, Simone toma como exemplo o jogo em que o participante precisa martelar uma toupeira toda vez que ela bota a cabeça para fora da superfície. “Os policiais assumem a função de bater com o martelinho na cabeça das pessoas que divergem da norma. O que tem que se questionar é o Estado que propicia isso e permite que ‘quem bote a cabeça para fora’ tenha o seu corpo indisponibilizado”, afirma.
Ela também se remete ao filme “Bicho de Sete Cabeças” (2001), da diretora Laís Bodanzky, baseado no livro “Canto dos Malditos“, do escritor Austregésilo Carrano Bueno, que narra sua experiência pessoal em hospitais psiquiátricos e denuncia abusos cometidos nessas instituições. No filme, o personagem principal, Neto, vivido por Rodrigo Santoro, é um jovem filho único de uma família de classe média que apresenta problemas de relacionamento com o pai conservador. 
Após ser pego fazendo grafite com amigos em uma madrugada e com um cigarro de maconha no bolso, é considerado doente pelo pai e encaminhado para ser tratado como tal em um manicômio. No entanto, é ali que começa o verdadeiro processo de enlouquecimento do personagem. Ainda que tente resistir, dizer que estava lá por engano, nunca é ouvido, passando justamente por um processo de silenciamento e degradação em sua condição. “É dantesco a gente ver isso acontecer, em 2017, com um artista”, diz.
A psicóloga destaca a lucidez que teve a médica que atendeu Igor impedindo que ele passasse por situação parecida, mas diz que a vida real está cheia de casos em que pessoas são jogadas dentro de instituições psiquiátricas após cometerem algum delito e serem diagnosticadas como doentes mentais, ficando lá por mais anos do que a pena criminal indicaria e, em alguns casos, a vida toda.
Ela cita, por exemplo, um caso publicado como artigo em 2012 pelo então juiz de Direito Clademir Missaggia, hoje desembargador do Tribunal de Justiça-RS. Ao estudar os casos de pessoas internadas no Instituto Psiquiátrico Forense do Rio Grande do Sul, Clademir descobre que um dos internos estava no local há 26 anos, seis meses e 19 dias pela contravenção penal de perturbação da tranquilidade. E assim achou outros 65 casos de pessoas internadas por muitos anos por terem cometido crimes de baixa potencialidade lesiva e que, se fossem presas no regime convencional, teriam penas de, no máximo, um ano de detenção. “Imagina só o que poderia ter ocorrido se a médica não dissesse que foi um engano”, diz Simone.
Morte em Lajeado - Há ainda outro caso recente e emblemático de abordagem equivocada a paciente em surto psicótico no RS. Em julho de 2015, o adolescente Miguel Osório Alves da Silva, 17 anos, que sofria de esquizofrenia, passava por um surto e ameaçava sua mãe com uma faca. A Samu foi acionada para lidar com a questão, mas acabou convocando a Brigada Militar. Um brigadiano então agiu, disparando um tiro contra Miguel, que morreu no dia seguinte em um hospital de Lajeado.

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Ministro da Justiça confirma críticas à segurança do Estado do Rio de Janeiro.

Felipe Pontes - Repórter da Agência Brasil
Ministro da Justiça Torquato Jardim (a esquerda) reúne-se com a presidente do STF, Cármen Lúcia
Ministro da Justiça Torquato Jardim (a esquerda) reúne-se com a presidente do STF,
Cármen Lúcia
Divulgação/STF.
O ministro da Justiça, Torquato Jardim, confirmou hoje (1º), em Brasília, declarações dadas à imprensa nos últimos dias sobre a segurança no estado do Rio de Janeiro. Ele classificou como “normais” as reações contrárias às suas afirmações.
Torquato Jardim esteve nesta quarta-feira no Supremo Tribunal Federal (STF) onde se reuniu com a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, e o ministro da Educação, Mendonça Filho.
No Rio, uma comissão da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) informou que irá enviar representação à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que apure as afirmações feitas pelo ministro da Justiça. 
Em entrevistas à imprensa hoje (1º) e ontem (31), o ministro disse que o comando da Polícia Militar fluminense estaria fazendo acertos com o crime organizado, retrocedendo a situação da segurança pública no Rio a um estado de coisas semelhante ao retratado nos filmes Tropa de Elite 1 e 2.
Ministro diz que reações são normais
Ao ser questionado por jornalistas hoje, o ministro da Justiça não recuou em suas afirmações. “Sobre o Rio de Janeiro, não sei, já falei o que tinha que falar. Nenhuma reclamação. Reações são normais”, disse.
Em entrevista ao jornalista Josias de Souza publicada ontem pelo portal UOL, Torquato Jardim afirmou que o comando de batalhões da Polícia Militar do Rio seria definido por “acerto com deputado estadual e o crime organizado”.
Em outra entrevista, publicada nesta quarta pelo jornal O Globo, ele disse que “em algum lugar, voltamos a Tropa de Elite 1 e 2. Em algum lugar, alguma coisa está sendo autorizada informalmente”.
As acusações do ministro foram alvo de reações de deputados estaduais do Rio. O presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB), disse que há mais de uma década não existe interferência do crime organizado na segurança estadual. "A declaração é de quem não tem nenhum conhecimento, de quem é irresponsável e de quem age com má-fé”, afirmou.
Em nota divulgada ontem (31), o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, rebateu as declarações do ministro e afirmou que o governo estadual e o comando da Polícia Militar não negociam com criminosos. Ele ressaltou que "o comandante da PM, coronel Wolney Dias, é um profissional íntegro".
Hoje, em reportagem do jornal O Globo, Torquato respondeu a Pezão afirmando ter “melhor memória” ao se lembrar de ter discutido o tema com o governador. O ministro assegurou haver “todo um serviço de inteligência” que atesta suas declarações.
Reunião no STF
O ministro da Justiça foi hoje ao Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir com a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, a implantação de Associação para a Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) juvenis no país. Também esteve presente o ministro da Educação, Mendonça Filho.
Um projeto modelo de Apac juvenil, feito em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), funciona na cidade de Itaúna (MG) e, segundo Mendonça Filho, essa experiência deve servir para a implantação de novas unidades pelo país. A primeira será em Fortaleza, disse o ministro da Educação.
O dinheiro para a ampliação das Apac's virá do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), confirmou Torquato. “O papel do Ministério da Justiça nesse notável projeto é primeiro encontrar justificativa legal para o Fundo Penitenciário”, disse o ministro. Ressaltou que a recente medida provisória que modificou as destinações do Funpen prevê “inequivocamente” a aplicação de recursos em projetos sociais.
A Associação para a Proteção e Assistência aos Condenados é um modelo de ressocialização de pessoas condenadas pela justiça criado em 1972 em São José dos Campos (SP), em que os detentos ficam submetidos a um regime menos rígido e contam com trabalho em tempo integral e aulas de ensino fundamental e médio.
Edição: Kleber Sampaio

Sancionada a Lei n° 13.501/17 que "incentiva o aproveitamento de águas das chuvas".


O incentivo e a promoção da captação, preservação e aproveitamento de águas das chuvas serão incluídos entre os objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos. É o que estabelece a Lei 13.501/2017, sancionada na segunda-feira (30) e publicada nesta terça-feira (31) no Diário Oficial da União.
A nova lei tem origem no Projeto de Lei do Senado (PLS)   326/ 2015aprovado no Senado em setembro de 2015 e ratificado sem modificações na Câmara dos Deputados em setembro de 2017. Entra em vigor já nesta terça-feira.
A Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997) já prevê entre seus objetivos assegurar a disponibilidade de água à atual e às futuras gerações com padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; a utilização racional e integrada da água, incluindo o transporte aquaviário; e a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.
A inclusão entre esses objetivos do incentivo à captação, preservação e aproveitamento de águas das chuvas segue tendência mundial de utilização de água não tratada para manutenção de jardins, limpeza de calçadas e em atividades agrícolas e industriais.
O autor do PLS 326/2015 é o ex-senador Donizete Nogueira (PT-TO). Na justificativa para o projeto, Donizete Nogueira alegou que a intenção é evitar o agravamento da crise hídrica. Conforme afirmou, cerca de 40% da população do planeta já enfrenta dificuldades de acesso à água. Ele citou estimativas do Instituto Internacional de Pesquisa de Política Alimentar, dando conta de que, até 2050, cerca de cinco bilhões de pessoas estarão em situação de estresse hídrico.
Além de problemas para o consumo humano, ele afirmou que a falta de água será um fator limitante à produção agrícola e industrial. Para ele, é urgente melhorar a gestão dos recursos hídricos, estimulando práticas sustentáveis de utilização dos mananciais, redução de desperdício de água e captação da água da chuva.
No Senado, o PLS foi aprovado em decisão terminativa na Comissão de Meio Ambiente (CMA), onde foi relatado por Otto Alencar (PSD-BA). Ele apresentou voto pela aprovação do projeto, com duas emendas de redação. No relatório, Alencar afirmou que o PLS representa “uma iniciativa louvável que promove a preservação dos recursos hídricos”.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)